Diário de Campanha 1 – “Um Passo em Frente”

Lanarien De’Liath

O dia não estava particularmente quente e, no entanto, o suor percorria o seu semblante carregado. A sua tarefa complicava-se e cada movimento exigia precisão, delicadeza, determinação. O momento pelo qual tinha lutado durante largos meses aproximava-se finalmente e esta não era a altura para falhar. Tudo o que se tinha passado até agora, culminava neste momento. No resultado final deste esforço.

Sim, ele não podia falhar.

Após fornecer-lhe os materiais necessários (em troca, obviamente, de uma considerável quantia em ouro), Allustan tinha sido suficientemente amável pondo à sua disposição um antigo laboratório de pesquisa arcana que à muito não usava. O espaço era pequeno e já não se encontrava nas melhores condições. No entanto, para o objectivo que tinha em mente, era mais do que adequado. Encontrava-se numa zona discreta da casa e a sua privacidade e sossego estavam asseguradas. Lanarien agradeceu e rapidamente se recolheu para o interior da sala, fechando atrás de si a porta. Horas de trabalho intensivo esperavam-no e não podia perder tempo em conversa de circunstância. Limpando o pó da velha mesa de trabalho, começou por colocar sobre ela todos os componentes necessários. Tudo estava em ordem.

Pelo canto do olho a sua concentração era perturbada pelo suave brilho que emanava de um dos objectos sobre a mesa. Reflectindo a pouca luz ambiente que percorria a sala, a jóia clamava por atenção e Lanarien anuiu ao seu pedido. Tinha sido soberbamente trabalhada, com uma lapidação perfeita que capturava todos os raios de luz e os projectava de novo, enchendo a sala com a sua tonalidade azul. Com as correctas infusões facilmente se tornaria no foco perfeito. “Pelo menos até eu recuperar o Olho”, murmurou Lanarien para si mesmo. Voltou a pousá-la com todo o cuidado e voltou a sua atenção para o bastão que trazia consigo e que o tinha acompanhado nas últimas semanas. O trabalho do artesão tinha sido primitivo, mas com a mestria adequada. Era uma peça bem balanceada e com as proporções correctas. As modificações a efectuar eram mínimas e específicas, não havendo necessidade de corrigir nada do que havia sido feito. Lanarien sorriu satisfeito. Era altura de começar.

O livro encontrava-se à sua beira, com a sua trabalhada capa vermelha já a começar a mostrar os sinais de uso constante. Lanarien pegou nele e facilmente abriu-o no local pretendido. Tinha sido a sua vida desde aquele dia, e consultá-lo, estuda-lo, compreende-lo, tinha-se tornado tão ou mais essencial que o próprio ar que respirava ou a comida e água que tomava. Era a oferta final de Illibrad, a sua última lição. E, da mesma forma que a capa vermelha daquele livro lhe relembrava o sangue derramado naquele dia fatídico, também as memórias que o assaltavam reforçavam a sua determinação e força de vontade. Ele estava preparado, e sabia-o. O livro era um antigo volume arcano cuja idade Lanarien não se arriscava a tentar adivinhar. Ao contrário do que seria de esperar de um normal manual arcano, este encontrava-se escrito num antigo dialecto élfico, muito comum no passado do clã de Lanarien, mas uma língua considerada morta nos dias de hoje, só conhecida por historiadores ou por alguns elementos mais eruditos da comunidade arcana. E, dado a longevidade dos elfos, isso já dizia muito sobre a sua idade. Lanarien levou algum tempo a decifrar o seu conteúdo, mas progressivamente o seu domínio do dialecto foi aumentando e agora era-lhe tão natural como a sua língua materna. O tema do livro tinha-se tornado claro assim que o seu conhecimento da linguagem atingiu níveis aceitáveis: A construção de um item como nunca antes visto. Nada tão simples ou prosaico como mais um veículo de poder arcano, passível de ser usado erroneamente por aqueles menos preparados para o brandir, mas sim algo que ultrapassa as simples barreiras de um objecto. Uma extensão do seu criador. Uma manifestação material do seu poder. Um símbolo, um foco, de toda a sua determinação e habilidade, algo que o permita crescer e que cresça consigo como se uma relação simbiótica entre dois seres vivos se trata-se. A tarefa de construir tal item tinha sido passada a Lanarien e ele estava determinado a fazê-lo. Tinha de o fazer. O cumprimento da sua promessa dependia disso.

Com tudo isso em mente, Lanarien dedicou-se ao seu trabalho. O ritual era preciso, as suas instruções rigorosas. Lanarien havia já decorado todos os ínfimos detalhes de cada um dos passos, em virtude do seu exaustivo estudo da matéria, no entanto não era por isso que diminuía a sua atenção ao detalhe. Todo o cuidado era pouco e não havia margem para erro. Os minutos passaram como horas, as horas passaram como dias. Um dia inteiro, sem paragens, levou Lanarien a chegar ao ponto em que se encontrava agora. Ao ponto em que o suor na sua cara, e a sua expressão carregada, manifestavam a importância do momento. O trabalho de construção tinha terminado e, pegando no seu resultado, Lanarien deslocou-se para o pequeno círculo de invocações que havia desenhado no chão do laboratório. Pousou o objecto com toda a delicadeza exactamente no centro e deu um passo atrás. Inspirando fundo, fechou os olhos e ajoelhou-se calmamente, começando a murmurar um encantamento enquanto gesticulava de forma quase mecânica. O seu cântico, que havia começado baixo, subia progressivamente de tom e com ele os efeitos dos seus esforços. O círculo de invocação iluminou-se e com ele o objecto no seu centro. Uma brisa ergueu-se suavemente e rapidamente cresceu para algo muito superior. Subitamente, naquele pequeno espaço, assistia-se a uma aparente batalha de vontades: uma voz contra uma tempestade. A luz, no centro da sala, reagia cada vez mais e ficava cada vez mais forte. Finalmente, Lanarien chegou ao fim do seu cântico, e com um movimento decisivo e determinante, uniu as suas mãos num aplauso singular e abriu os olhos. Seguiu-se um momento ínfimo de paz, de silêncio, onde a tempestade se dissipou e a luz desapareceu. No entanto, quando tudo parecia indicar que tinha terminado, uma explosão de luz e energia abalou a pequena sala. Lanarien foi projectado para trás e, encadeado pelo súbito acontecimento, ficou privado da sua visão. Quando finalmente recuperou todos os sentidos pode olhar pela primeira vez para o resultado do seu lavor.

O seu bastão, reconstruído, encontra-se no centro da sala. Não no chão, horizontal, onde o havia colocado, mas erecto flutuando calmamente a centímetros do chão. Arcos de electricidade saltavam dele e percorriam toda a sua superfície. A energia que continha era notória e todo ele brilhava em resposta a isso. No cabo trabalhado, no entanto, algo captou a atenção de Lanarien. O brilho era diferente, mais vivo, mais padronizado. Olhando com mais atenção percebeu a razão da diferença. O brilho não era produto do acaso, havia surgido algo escrito na sua superfície. Lanarien concentrou-se nas letras que, naquele momento, se dissipavam rapidamente à medida que toda a manifestação de energia começava a atenuar e sorriu. Conhecia aquele dialecto, compreendia a sua mensagem. Era o sinal pelo qual esperava. Tinha conseguido.

Com o medo e o choque inicial dissipado, Lanarien ergueu-se e deu o passo em frente na sua grande caminhada. Aproximou-se do bastão e estendeu a sua mão para o agarrar. Imediatamente visíveis faíscas de electricidade começaram a percorrer de novo o objecto, e a jóia no topo começou a brilhar. Lanarien não se deixou intimidar e tomou o bastão como seu. As energias arcanas emanadas pelo objecto atingiram um novo pico encontrando agora um novo condutor por onde circular. O corpo de Lanarien foi invadido por elas mas, em vez de o ferirem, alimentaram-no. Todo o cansaço provocado pela maratona de trabalho desaparecia, Lanarien sentia-se rejuvenescido, energético. Sentia as energias libertadas a preenche-lo, a estuda-lo, a fundir-se com ele. O bastão não era dele, era ele e ele era o bastão. Separados na sua existência no plano material, mas unidos por um laço que ultrapassava quaisquer limitações físicas. O primeiro pensamento que ocorreu a Lanarien foi o acreditar no quão orgulhoso Illibrad se sentiria se estivesse ali com ele, agora. “Mas ele está contigo.”, foi a inesperada resposta ao seu pensamento, “Todos nós estamos.” E tão rapidamente como tinha surgido, desapareceu. Apanhado de surpresa, Lanarien demorou a compreender as implicações do que tinha acontecido, a origem daquele evento, mas quando compreendeu procurou na sua mente por algo mais, por alguma presença, mas sem sucesso. Como uma brisa de vento, tinha desaparecido tão rapidamente como tinha surgido.

Como um puzzle em construção, a imagem da sua demanda tomava um pouco mais de forma na sua mente. No entanto, Lanarien soube naquele momento que o que havia acontecido ali era apenas o começo. Como uma cortesia dos Deuses, permitindo-lhe vislumbrar uma breve página do seu futuro. Há ainda um longo caminho a percorrer e todos os passos são importantes. Naquele dia, no entanto, Lanarien tinha atingido uma grande vitória. Cresceu. Estava mais forte. E, mais importante do que tudo isso, pela primeira vez na sua vida, sentia-se completo.

_______________

NOTA: Este é um diário pessoal de Lanarien De’Liath, a minha actual personagem. Para mais detalhes das aventuras de toda a party de heróis a que Lanarien pertence, não percam os resumos regulares da “Elemental Campaign”.

5 comentários

  1. Brutal!!!!!!

  2. Mais um gajo esquisito na party … Mas não temos que chegue já ?!

  3. btw ! O fernando esqueceu-se de descrever esse bastao xpto alterado a malta qd surgis te !! essas falhas nao podem acontecer q arruinam momentos epicos 😛 (isso e por algum motivo ainda ninguem fez um spellcraft aos meus truques heh)

  4. […] que ele já não usa para que Lanarien possa trabalhar. Ai Lanarien completa algo que há muito ansiava. Rafa vai até ao templo de Kord onde falando com o clérigo-mor aguarda que este lhe revele alguns […]

  5. […] a segunda vez em poucos dias que Lanarien entrava naquela casa. Da primeira vez os resultados tinham sido positivos, pelo que, uma aura de confiança formara-se com aquele local. […]


Comments RSS TrackBack Identifier URI

Deixe um comentário